domingo, 5 de junho de 2011

Entrevista - Maria Lúcia Prado Sabatella

A consultora e pesquisadora Maria Lúcia Prado Sabatella é mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná, especializada na área de Superdotação e Talento. Delegada do Brasil no Conselho Mundial para Crianças Superdotadas e Talentosas, ela acaba de lançar o livro Talento e Superdotação: Problema ou Solução?, pela Editora IBPEX, e fala mais sobre o tema de seus estudos.

O que define um superdotado?
Superdotado é aquele indivíduo que tem uma ou mais habilidades expressivamente acima da média em algum campo do saber ou do fazer. São pessoas normais, mas não são comuns.

Os superdotados são poucos?
Não há uma estatística brasileira, pois em nosso país não fazemos identificação nas escolas. A Organização Mundial da Saúde estima que 3,5% a 5% da população mundial seja superdotada. No entanto, esse dado se baseia apenas em testes de Q.I. (Quociente de Inteligência), que é um dos instrumentos utilizados na identificação de superdotados e testa somente as áreas acadêmicas da inteligência – lógica e verbal. O Garrincha, por exemplo, foi considerado praticamente um débil mental em um teste de Q.I., mas era, evidentemente, um atleta brilhante, um superdotado psicomotor. Assim, quando são incluídas as demais áreas da inteligência, que podem envolver habilidades como liderança, capacidade de mediação, argumentação e criatividade, o número de pessoas superdotadas pode subir para cerca de 12%.

Nesse exemplo do futebol, superdotação é o que se chama usualmente de talento?
Na literatura costuma-se encontrar a referência a “superdotados e talentosos” evidenciando que de forma implícita o talento designa habilidades nas artes e atividades corporais, enquanto o termo superdotado é aplicado às pessoas com grandes habilidades intelectuais e acadêmicas. Indivíduos superdotados destacam-se em uma área ou em um grupo delas independentemente da categorização de sua habilidade.

E os gênios?
Geralmente, quando se fala de superdotado, faz-se uma correlação imediata com o gênio. Mas o gênio é aquele que contribui com a humanidade, que perdura por gerações. O gênio quebra paradigmas e conceitos previamente estabelecidos, como o Einstein. Todo gênio é um superdotado, mas nem todo superdotado é um gênio. A genialidade é o nível mais alto de superdotação.

O que os pais devem fazer ao identificar a superdotação no filho?
Tem que procurar bibliografia e ajuda de profissionais especializados, conversar com outros pais de superdotados. No Instituto para Otimização da Aprendizagem, que presido, fazemos grupos com os pais a cada semestre e a troca de experiências é muito rica. Os pais de superdotados se sentem marginalizados e relutam em falar sobre os progressos dos seus filhos. É importante que os pais tenham consciência de que se trata de uma criança especial e que se informem a respeito. Quando nasce um filho com Síndrome de Down, por exemplo, os pais correm a se preparar para essa condição e o mesmo deve ser feito se a criança é superdotada. Isso passa também pela escola, onde os professores devem ser esclarecidos sobre o tema.

As escolas estão preparadas para os superdotados?
Infelizmente, não. Apesar de a Lei de Diretrizes e Bases, de 1996, tratar da educação especial, não só para as pessoas com deficiência, geralmente enquadradas nesse tipo de educação, mas também para os superdotados. E eles não são tão poucos. Analisando a população escolar, pode-se dizer que, em cada sala de aula, há uma ou duas crianças superdotadas. Muitas vezes, são justamente aquelas que ficam inquietas e fazem bagunça, porque já terminaram as tarefas, ou porque não precisam copiar nada do quadro, já que têm tudo memorizado. O superdotado precisa de mais desafios. O professor pode sugerir atividades que enriqueçam e aprofundem o conhecimento e poderá se surpreender com os resultados. Um superdotado, na sala de aula, pode favorecer um ensino de maior qualidade para todos os alunos. Se estiverem estudando, por exemplo, os afluentes do Rio Amazonas, o professor pode sugerir que os alunos que tiverem vontade pesquisem e se aprofundem na cultura amazonense, por exemplo. Fizeram isso em uma escola e tiveram que abrir um museu sobre a região Amazônica, tamanha a pesquisa feita pelos alunos. O estímulo serviu para mostrar que todos os alunos produzem mais quando há incentivo e interesse. No entanto, via de regra, o professor, o psicólogo ou o médico não estão preparados para identificar e lidar com os superdotados.

Nem mesmo os médicos?
Muitas das “características” do superdotado são muito semelhantes aos comportamentos apresentados como sintomas da hiperatividade e do déficit de atenção,que estão tão em moda. Se a criança começa a perguntar demais, interrompe a aula, não copia a agenda ou completa tarefas, muitos professores têm indicado que os pais procurem um médico sugerindo que o filho é hiperativo. Não é competência dos professores fazer diagnóstico e essa atitude tem levado muitas crianças apenas curiosas, saudáveis e que aprendem com mais rapidez, a serem medicadas como hiperativas. Tudo acaba sendo resolvido na base da “babá-química”. O aconselhável é investigar o potencial do aluno que apresenta as características de que falamos, antes de se pensar em diagnóstico.

A superdotação é inata? Há alguma relação com a classe social?
Nem uma coisa nem outra. De fato, há um componente genético. Geralmente, indivíduos superdotados vêm de famílias que apresentam essa mesma característica. Mas não é algo inato, já que, se assim fosse, todas as pessoas de determinada família que possui superdotados seriam igualmente brilhantes. E isso não acontece. Há o componente externo, os estímulos, a interação com o meio. E aí eu dou um exemplo de como a superdotação não tem nada a ver com a classe social. Eu já vi uma criança de cinco anos, moradora de assentamento sem-terra, que me explicou corretamente temas como o Produto Interno Bruto do Brasil e a inflação do país. Como ele aprendeu isso? Com as páginas de jornais velhos que eus pais lhe davam para pintar. Mas assim como a inteligência não tem classe social, ela é amoral. Essa criança do assentamento optou pelo caderno de economia do jornal. Mas ele poderia ter preferido ler algo que lhe aguçasse o interesse por coisas erradas. Ou seja, a inteligência pode ser mal direcionada. O Fernandinho Beira-Mar, por exemplo. Ele é brilhante. Tanto que, mesmo preso, continua comandado sua facção criminosa e ninguém consegue impedir isso. Dá para colocar o corpo atrás das grades, mas a cabeça não. Ele é uma das muitas pessoas brilhantes mal direcionadas. Por isso, é importante haver estímulos positivos, sobretudo às crianças superdotadas.

Em tempos de tecnologias como a internet, esses jovens não são superestimulados?
Tudo o que é exagerado é ruim e isso não tem a ver com a internet ou os videogames. Assim como a criança que não sai da frente do computador, aquela que fica afundada nos livros, sem fazer outra coisa, também não está se desenvolvendo adequadamente. É importante que a família estimule tudo, inclusive atividades que tirem a criança de casa. Mas eu acho que essa geração que cresce entre computadores se desenvolve mais rapidamente e isso é positivo. Eu costumo dizer que, havendo dúvida se a criança é ou não superdotada, o melhor a se fazer é criá-la como superdotada, ou seja, estimulá-la constantemente. Às vezes eu ouço dizerem que uma criança de 4 anos, por exemplo, é muito nova para ir à escola. Como assim? Vá na favela ver se crianças com essa idade já não trabalham como olheiras para os traficantes. Se podem fazer isso, podem ir para a escola!

Se essa criança não for educada da maneira adequada, ela pode perder o talento?
Ela pode não desenvolver seu máximo e isso, sobretudo para alguém com potencial, é frustrante. Por falar em frustração, é importante que os pais não criem expectativas demais sobre a criança. Não é por ser superdotada que ela não pode ir mal escola, ou tirar uma nota baixa. Superdotado não é perfeito. Como eu disse no início, o superdotado não é comum, mas é normal.

Fonte: Dra. Maria Lúcia Prado Sabatella

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